sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

sábado, 2 de dezembro de 2017

Frutas e seus Frugívoros
Lucia Maria Paleari (Org.)





O livro Frutas e seus Frugívoros foi produzido por alunos da XLIV turma do curso de Ciências Biológicas, do Instituto de Biociências de Botucatu (IBB), da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Ele fez parte dos trabalhos do Projeto temático IV - Narrativas no Ensino de Ciências e Biologia, sob a minha responsabilidade, para que pudesse ser utilizado em atividades educativas envolvendo aspectos zoobotânicos, ecológicos, culturais e nutricionais de algumas espécies de plantas e animais a elas associados.

Com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), por meio da Rede de Defesa e Promoção da Alimentação Saudável  (Rede SANS), do IBB, uma versão impressa desse livro foi inicialmente produzida em 2012 e os exemplares doados a escolas e entidades educativas. Agora, com o objetivo de possibilitar que o conhecimento nele reunido chegue a maior número de pessoas, Frutas e seus Frugívoros foi preparado para ser disponibilizado via internet. Dessa forma, esperamos que todos aqueles que se interessarem pelos temas tratados, tenham leitura prazerosa. Para acessar o livro é só clicar aqui (arquivo em pdf).
Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

sábado, 12 de novembro de 2016

Princípios da Digestão
Parte II - Proteína
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo



Princípios da Digestão 
 Parte II - Proteína

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

Dando continuidade ao estudo da digestão, cuja primeira parte foi relatada no post anterior, sobre a digestão do amido, os alunos do Clube de Ciências da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", de Botucatu, investigaram a ação do suco de abacaxi na albumina, proteína existente da clara de ovo.

Desta vez, como recipientes para receber os conteúdos a serem estudados, foram utilizados pires pequenos, no Clube de Ciências. Porém, para as ilustrações deste post, como as imagens obtidas não estavam satisfatórias, decidi repetir o experimento em casa, utilizando xícaras das de café, com o interior pintado em preto fosco, de forma a favorecer o contraste com a clara de ovo cozida e, consequentemente, a visualização dos resultados. Essas xícaras, a partir de agora, serão referidas apenas como recipientes, e o que for narrado reproduzirá exatamente o que aconteceu nos trabalhos realizados no Clube de Ciências.

O experimento foi dividido em duas etapas.


Primeira Etapa

Em dois recipientes foram colocados cubos de clara de ovo cozida em contato com suco de abacaxi também cozido. No recipiente “A”, foi colocado um cubo com, aproximadamente, 1cm de lado, e no recipiente “Aa”, oito cubos menores, de, aproximadamente, 0,5 cm de lado, como pode ser visto na Figura 1.


Figura 1 – Recipientes contendo suco de abacaxi cozido + cubos de clara de ovo cozida: (A) um cubo de clara de ovo com,
aproximadamente, 1 cm de lado; (Aa) oito cubos  com 0,5 cm de lado.


Segunda Etapa

Em outros dois recipientes, foram colocadas a clara de ovo cozida, também nos tamanhos de 1cm (recipiente “B”) e 0,5cm (recipiente “Bb” ) de lado, em contato com suco de abacaxi natural, como nos mostra a Figura 2.


Figura 2 – Recipientes contendo suco de abacaxi natural + cubos de clara de ovo cozida: 
(B) um cubo de clara de ovo com, aproximadamente, 1 cm de lado; (Bb) oito cubos  com 0,5 cm de lado.

Ao final dessas duas etapas os recipientes foram cobertos com papel manteiga, e mantidos dessa maneira, sem qualquer interferência, até as observações serem efetuadas.


Quarenta e oito horas depois...

Os clubistas estavam bastante ansiosos para saber o que teria acontecido com os pedaços de clara de ovo, depois de 48 horas do início do experimento (Em dias mais quentes, esse tempo pode ser reduzido pela metade e, ainda assim, haverá boa visualização dos resultados)

Com cuidado, os clubistas fizeram as primeiras observações, que foram registradas nos seus respectivos cadernos. De início deveriam verificar o aspecto geral dos pedaços de clara de ovo, fazendo dois tipos de comparação: a) aspecto dos pedaços que estavam no suco de abacaxi cozido, com o daqueles que estavam no suco de abacaxi natural, e b) aspecto dos pedaços maiores com relação ao dos pedaços menores.

Observe, na figura 3, como ficaram os pedaços de clara de ovo, após a ação do suco de abacaxi, nos dois tratamentos realizados no experimento.


Figura 3 - Resultado da ação de suco de abacaxi sobre  albumina da clara de ovo cozida: 
(A-Aa) cubos de clara em suco de abacaxi cozido; (B-Bb) cubos  de clara em suco de abacaxi natural.
 Obs.: O suco, dos recipientes B e Bb, foi drenado ao final das 48 horas, para que os pedaços
 de clara de ovo cozida pudessem ser melhor observados em imagem.

Os clubistas perceberam que os cubos deixados em suco de abacaxi cozido, Figura 3 A e Aa, não sofreram modificação. Porém, verificaram que os pedaços de clara que ficaram no suco de abacaxi natural, Figura 3 B e Bb, estavam com as bordas dissolvidas, trincadas e com um tom de branco menos leitoso. Perceberam também, que os pedaços menores, Figura 3 Bb, ficaram, proporcionalmente, mais dissolvidos do que o grande.

Registradas essas observações, os clubistas partiram para outra etapa, na qual iriam verificar a consistência da clara de ovo de cada recipiente. Para isso, deveriam introduzir um palitinho de madeira em um cubinho de clara de ovo de cada recipiente, registrando o resultado logo a seguir.

Veja na figura 4 o que aconteceu:


Figura 4 – Resultado de teste para verificar a consistência dos pedaços de clara de ovo cozida, mantidos em suco de abacaxi: 
(A-Aa) suco de abacaxi cozido - o palito penetrou a clara de ovo cozido e, 
(B-Bb) suco de abacaxi natural – a clara de ovo cozido partiu, assim que o palito foi introduzido nela.

A clara de ovo mostrada na figura 4 A e Aa, que estivera em contato com o suco de abacaxi cozido, estava com a mesma consistência que apresentava anteriormente, quando do início do experimento, consistência semelhante à borracha. Por isso, quando o palitinho foi introduzido nela, perfurou e ficou fixo. No entanto, ao tocar as claras mostradas na figura 4 B e Bb, que tiveram contato com o suco de abacaxi natural , os cubos se partiram.

Depois dessas observações, o passo seguinte foi orientar os clubistas na organização de uma tabela, com os resultados que haviam registrado nos seus respectivos cadernos.


Tabela 1 – Resultados da ação de suco de abacaxi, cozido (A-Aa) e natural (B-Bb), sobre pedaços de clara de ovo cozida. 




Tem enzima também?

Ao comparar os resultados obtidos neste experimento com suco de abacaxi natural agindo sobre a clara de ovo cozida, com aqueles obtidos no estudo do amido, do experimento anterior (link), os clubistas logo perceberam que o suco de abacaxi natural, poderia ter também enzima, e que ela teria sido a responsável pelas alterações observadas na clara de ovo.

Tal conclusão foi de extrema pertinência: a albumina da clara de ovo, uma proteína, é formada por unidades moleculares denominadas de aminoácidos. Os clubistas já tinham, por estudos anteriores, essa informação sobre a estrutura das proteínas.

A enzima existente no suco de abacaxi, por agir na transformação de proteínas, faz parte de uma categoria denominada protease. Por se encontrar no abacaxi, planta da família botânica das bromeliáceas, a protease nesse caso  recebe o nome de bromelina. Essa família botânica se tornou bastante conhecida, devido ao valor decorativo e comercial de diversas espécies, atualmente muito comuns em floriculturas.


Aprimorando a definição
(generalizando o conceito de digestão)

No post anterior, quando foi relatado o estudo inicial sobre a digestão do amido, os clubistas tinham definido digestão como sendo “a transformação de moléculas de amido em glicose”. No entanto, após verificarem o que tinha acontecido com a clara de ovo, eles próprios se deram conta de que aquela definição só servia ao que havia acontecido com o amido, não era apropriada para definir o que havia se passado com a proteína. Foi, então, preciso adequar, foi preciso generalizar a definição elaborada inicialmente.

Depois dos clubistas de cada grupo pensarem e conversarem entre si sobre o que poderia ter acontecido com a clara de ovo, foi feita uma discussão geral, da qual todos participaram. E foi, então, que em um dado momento um dos clubistas, o André, resolveu a questão, quando sugeriu que "digestão seria quebrar moléculas grandes em moléculas pequenas". Gostei da nova definição, assim como os demais clubistas. André foi aplaudido, o que o deixou muito feliz, claro. O conceito de digestão tinha sido desenvolvido e generalizado adequadamente, sinal de que também tinha havido compreensão.


Mais fenômenos
a serem esclarecidos

Pedi aos clubistas que voltassem a olhar os recipientes onde estavam os pedaços de clara de ovo que tinham entrado em contato com o suco de abacaxi natural (Figura 4 B e Bb), e lhes perguntei: Por que, após a ação da bromelina, os pedaços pequenos de clara de ovo cozida, do recipiente “Bb” ficaram mais dissolvidos, ou seja, sofreram transformação mais intensa do que o cubo do recipiente “B”?

Os clubistas não conseguiram chegar a uma conclusão.

Pedi, então, que imaginassem um cubo de clara de ovo com 1cm de lado sendo cortado em oito cubos menores de igual tamanho. Em seguida, fui até a lousa e fiz um desenho semelhante ao da Figura 5, a seguir, para que eles pudessem visualizar a situação. Nesse desenho, vemos que novos lados surgiram em cada pequeno cubo, sem, contudo, que o volume total fosse reduzido. Portanto, o volume do conjunto dos cubos menores é equivalente ao volume do cubo maior, porém com mais superfícies expostas do que aquele.


Figura 5 – Representação de um cubo de clara de ovo com 1cm de lado (esquerda),
 dividido em 8 pedaços com 0,5cm de lado (direita).

Sendo assim, ainda que possuindo o mesmo volume, o cubo maior da esquerda, tem superfície total menor do que o somatório das superfícies dos cubos menores da direita. E foi exatamente esse aumento de superfície que permitiu à enzima bromelina entrar em contato com mais quantidade de clara de ovo, dos cubos menores (Bb) do experimento que realizamos. Sendo assim, sempre que a relação entre superfície e volume (S/V) aumentar, aumentará a eficiência de uma enzima.

A mastigação, quando bem feita, faz com que o alimento seja transformado em pedacinhos bem pequenos, aumentando, assim, sua área de contato com enzimas que realizam a digestão. Portanto, quando a mastigação é bem feita, a digestão se torna mais fácil.

Essa relação existente entre superfície e volume (S/V) também nos permite explicar diversos outros fenômenos. Vejamos um deles que, pela experiência diária, muitas donas de casa já se deram conta. Tem a ver com a secagem de roupa. Elas sabem que uma peça de roupa no varal seca mais rapidamente, caso seja estendida com esmero, bem esticadinha, do que se for colocada de qualquer jeito, amontoada. A roupa bem estendida permite que o sol incida sobre maior superfície, o que agitará mais moléculas de água em espaço de tempo menor, do que se a roupa estivesse amontoada. Dessa forma, as moléculas de água escaparão em maior quantidade para a atmosfera, fenômeno esse conhecido como evaporação.


Voltando à clara de ovo

Do nosso experimento restou apenas uma questão a ser resolvida. Vamos a ela: -- Por que nada aconteceu aos pedaços de clara de ovo cozida que se encontravam nos recipiente A e Aa, da Figura 4, onde havia suco de abacaxi cozido?

Não foi fácil para os clubistas responderem a essa pergunta. Mas eles se esforçaram. E chegaram à conclusão, que se a única diferença entre os recipientes mostrados na Figura 4 A-Aa e Figura 4 B-Bb era a condição do suco de abacaxi, o cozimento do suco poderia ter alterado a enzima que fazia parte dele, a bromelina.

Vibrei ao ouvir tal resposta. Muito boa!

De fato, o calor do cozimento altera a estrutura espacial da molécula da enzima, processo conhecido por desnaturação, e, dessa forma, ela perde a capacidade de desempenhar o seu papel.

Veja os clubistas em ação na figura 6, a seguir:


Figura 6 – Alunos do Clube de Ciências da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.”, realizando
 investigações para estudo da digestão de proteína e vibrando com conclusões adequadas a que chegaram.


Desafio final

Se você leu com atenção e compreendeu o que foi apresentado até aqui, poderá arriscar uma boa e pertinente explicação para o desafio a seguir: No interior do nosso intestino, onde os alimentos digeridos serão absorvidos e, após passarem para a circulação sanguínea, distribuídos para as células do corpo para que possam desenvolver plenamente suas funções, existem inúmeras vilosidades (dobras ou rugas). Além dessas vilosidades, existem outras vilosidades, ainda menores, denominadas de microvilosidades, como se pode observar na figura a seguir:

Figura 9 - Representação de tubo digestivo em corte e ampliações das 

Perguntas:

1) Qual a importância dessas vilosidades e microvilosidades?
2) O que aconteceria se elas não existissem?

Caso você precise de ajuda para responder a essa perguntas, leia: Vilosidade Intestinal.

Para os interessados em ampliar conhecimentos, leiam: Sistema Digestório.


Para terminar

Quero lhes dizer que, à semelhança do que informei na parte inicial do post Princípios da Digestão - Parte I - Amido, a estratégia usada para o ensino dos princípios da digestão do amido que vimos por lá, como também a estratégia usada para o ensino dos princípios da digestão de proteínas, que vimos neste post, foi desenvolvida e implementada por mim na década de 1980*, em escolas de Campinas, cidade do interior do Estado de São Paulo. Essa estratégia foi baseada em atividades práticas apresentadas nos livros Biologia** e Biologia na Escola Secundária***, que foram adaptadas aos meus propósitos.



In Memoriam


Professor Oswaldo Frota-Pessoa
Professor Oswaldo Frota-Pessoa, falecido em 2010 aos 93 anos, foi pessoa rara. Formado em História Natural e também em Medicina, foi geneticista, pesquisador e professor, além de autor de obras de inestimável valor, inclusive e especialmente, para o Ensino de Ciências e de Biologia no nível básico, hoje tão necessitados de pessoas competentes e comprometidas.

Só um país, que não valoriza, de fato, educação científica, pode desconhecer obras como a do Professor Oswaldo Frota-Pessoa, voltada ao ensino de Ciências e Biologia. Só um país, que não valoriza, de fato, educação científica, pode ter grande parte de exemplares dos livros que ele escreveu ou coordenou desde a década de 1960, fora de bibliotecas escolares e de faculdades, nas quais há cursos de licenciatura em Ciências Biológicas. 

Para quem se interessar pelo trabalho exemplar realizado pelo Professor Oswaldo Frota-Pessoa, sebos são opção de busca. Os conteúdos de livros antigos, além de revelarem parte da história, podem ser atuais, se atualizados forem. Não estou aqui me referindo àquelas atualizações que abusam das cores, das ilustrações, e que são, equivocadamente, consideradas muito atraentes, mas que, na verdade, estão bem aquém da capacidade imaginativa e criativa das crianças e adolescentes, para dizer o mínimo. Estou me referindo apenas à atualização de conteúdo devido aos avanços científico-tecnológicos que acontecem, atualização com a manutenção da boa qualidade dos textos, das atividades práticas e exercícios propostos, assim como manutenção da simplicidade e sobriedade das eficientes ilustrações. Forma e conteúdo não devem subestimar experiências pessoais e capacidade de pensar das crianças e adolescentes, que precisam de desafios intelectuais. Desafios que não podem ser encarados como barreiras, como dificuldades intransponíveis, mas como oportunidades para avanços, para a elaboração de novos conhecimentos. 


Um convite

Você poderá conhecer um pouco da trajetória do Professor Oswaldo Frota-Pessoa, como pesquisador, professor e divulgador científico, lendo entrevistas concedidas por ele, clicando aqui, e aqui.



Bibliografia 

* Paleari, L. M. Investigações práticas sobre a digestão no ensino fundamental. Ciências Biológicas e do ambiente. v. 1, n. 1, pp. 89-102. 1999.
** Frota-Pessoa, O. (Coord.). Biologia. Ministério da Educação e Cultura. 1981.
*** Frota-Pessoa, O. Biologia na Escola Secundária. Ministério da Educação e Cultura. 1962. 


Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", de Botucatu acesse os links: 

- Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
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